terça-feira, 14 de junho de 2011

Os Maias 7


        "Carlos, no entanto, fumando preguiçosamente, continuava a falar na Gouvarinho e nessa brusca saciedade que o invadira, mal trocara com ela três palavras numa sala. E não era a primeira vez que tinha destes falsos arranques de desejo, vindo quase com as formas de amor, ameaçando absorver, pelo menos por algum tempo, todo o seu ser, e resolvendo−se em tédio, em «seca». Eram como os fogachos de pólvora sobre uma pedra ; uma fagulha ateia−os, num momento tornam−se chama veemente que parece que vai consumir o Universo, e por fim fazem apenas um rastro negro que suja a pedra. Seria o seu um desses corações de fraco, moles e flácidos, que não podem conservar um sentimento, o deixam fugir, escoar−se pelas malhas lassas do tecido reles ?
        – Sou um ressequido ! – disse ele sorrindo. – Sou um impotente de sentimento, como Satanás... Segundo os padres da Igreja, a grande tortura de Satanás é que não pode amar.
        – Que frases essas, menino ! – murmurou Ega.
        Como frases ? Era uma atroz realidade ! Passava a vida a ver as paixões falharem−lhe nas mãos como fósforos".

(Eça de Queiroz - Os Maias)

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