quinta-feira, 19 de maio de 2011

Os Maias 4



"Mas pela primeira vez, desde a sua intimidade, houve entre eles um silêncio difícil. Depois ela queixou−se de calor, desenrolando distraidamente o bordado ; e Carlos permanecia mudo, como se para ele, nesse dia, apenas houvesse encanto, apenas houvesse significação numa certa palavra de que os seus lábios estavam cheios e que não ousavam murmurar, que quase receava que fosse adivinhada, apesar de ela sufocar o seu coração.

– Parece que nunca se acaba, esse bordado ! – disse ele por fim, impaciente de a ver, tão serena, a ocupar−se das suas lãs. Com a talagarça desdobrada sobre os joelhos, ela respondeu, sem erguer os olhos :

– E para que se há−de acabar ? O grande prazer é andá−lo a fazer, pois não acha ? Uma malha hoje, outra malha amanhã, torna−se assim uma companhia... Para que se há−de querer chegar logo ao fim das coisas ?

Uma sombra passou no rosto de Carlos. Nestas palavras, ditas de leve acerca do bordado, ele sentia uma desanimadora alusão ao seu amor – esse amor que lhe fora enchendo o coração à maneira que a lã cobria aquela talagarça, e que era obra simultânea das mesmas brancas mãos. Queria ela pois conservá−lo ali, arrastado como o bordado, sempre acrescentado e sempre incompleto, guardado também no cesto da costura, para ser o desafogo da sua solidão ? Disse−lhe então, comovido :

– Não é assim. Há coisas que só existem quando se completam, e que só então dão a felicidade que se procurava nelas.

– É muito complicado isso – murmurou ela, corando. – É muito subtil... 

– Quer que lho diga mais claramente ?" 

(Os Maias - Eça de Queiroz)

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