quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Somente de Olhos Fechados


"Resolvi limpar as gavetas. É preciso para reorganizar os espaços. Desfazer-se do que já não nos serve mais. Cuidar do que ainda pode nos ser útil ou prazeroso.


Não costumo guardar coisas demais. Algumas, porém, preciso! Para respaldar a memória. Para dar lastro às lembranças, às vezes atropeladas pelo presente que massacra, pela incerteza do futuro que todos os dias bate a nossa porta.

Organizar gavetas não é meu passatempo preferido.Tampouco tarefa rápida, pois que alguns objetos preciso curtir um pouco mais mesmo sabendo que terei que descartá-los.

Não tenho época certa para fazer isso. Faço quando sinto que ou me desfaço de algumas coisas ou não vou conseguir entender o que é realmente importante pra mim.O que vai me dar conforto e satisfação. Porque eu entendo a vida assim: Preciso de conforto e satisfação ou nada fluí, nada funciona.

Ocorre que tenho dentro de mim um ser bagunceiro, daqueles que não quer ver nada espalhado e por isso guarda tudo nas gavetas. Sem critério nenhum, vai enfiando tudo o que acha no caminho. Muitas vezes, nem deveria estar lá, dentro das gavetas.

Joguei tudo em cima da cama e lá fui eu , vendo e sentindo quanta coisa que fui deixando de lado. Coisas totalmente inúteis, outras vencidas. Roupas apertadas, ultrapassadas.Fotos, anotações que já estão a tanto tempo em meio aos guardados que desconfio se foram assim, tão importantes um dia.

Comparo as pilhas de coisas e com tristeza percebo que o saco de lixo que peguei é pequeno demais... Respiro fundo até vir a parte mais complicada. Tantas coisas juntas numa mesma gaveta parecem se entender muito bem. Reorganizar o espaço que o que realmente importa é bem complicado. Depois de algumas horas consigo. Olho o que restou e fico aliviada. Fica bonito tudo arrumado. Só o que é útil, só o que serve, só que me serve.Sim porque as coisas devem nos servir. Ajudar.Se estão entulhando, se estamos servindo às coisas, melhor rever.

Ocorre que também tenho gavetas dentro de mim. As tais Gavetas Sentimentais, só para dar nome a coisa porque dizem por aí que quando damos nome é porque existe apego. Se é assim, que assim seja. Sou de fato apegada às gavetas do coração. O ser bagunceiro anda por cá também. Guarda tudo sem o menor critério ou pelo menos usa um critério que não consigo entender. Deve ter seus motivos eu é que cuide de entender, já que são minhas, as gavetas.

Então, de vez em quando também é preciso organizar os sentimentos. Jogá-los todos para fora e ver o que ainda me deixa feliz, o que me atrasa a vida. Entre tantos que guardo, preciso e quero apenas os que são passíveis de me fazer mais forte, mesmo que eu sofra um pouco e desde que esse sofrer resulte em algo positivo. Não tenho ideia do que é sofrer por sofrer. Há sim, eu sei, aqui nessa bagunça, os tais inúteis sentimentos daninhos e por isso é preciso arejar.

Reviro tudo sim, faço uma bagunça danada e no momento em que encontro tua lembrança tão bem guardada, numa caixinha lá no fundinho da gaveta, meu passado vem à tona e penso que talvez você possa me dar a satisfação, o carinho e a alegria de antes. Não foi à toa que te guardei por tanto tempo. Abro a caixa, desdobro as lembranças e fica tudo colorido de novo. Bom te ver, saber de ti. Bom sonhar de novo. Rir do que vivi. E quanta saudade boa,quanto carinho guardado, quanta carícia contida. Quanta conversa pela metade, porque nossas vidas tomaram rumos diferentes.

Já disse que preciso curtir um pouco mais as coisas antes de descartar. Oras, mas quem disse que posso te descartar? Quem disse que eu quero isso? Eu não quero! Rapidamente tiro você da pilha do descarte. Fica comigo por um tempo. Fazendo parte do meu presente. Sendo meu presente. Fica assim como um enfeite novo pra quem não te conhece ou como algo que não combina mais comigo para que já soube de você e agora se surpreende te vendo de novo com tanta cor aqui perto de mim.

Fica comigo e sai dos meus olhos fechados, que era só desse jeito que eu conseguia te ver. Fica fora até que chegue novamente a hora de arrumar as gavetas e de novo te guardar... Eu sei que o conforto não será por muito tempo. Mas depois de sentir você assim com tanta cor, fico sem ter como te guardar novamente na caixinha. Uma gaveta só sua num armário que tenho no sótão do peito, é lá que fica você. É lá que fica tua lembrança, até que eu de novo te veja somente de olhos fechados... Porque de olhos abertos não posso mais te ver...

É... você também não deveria estar aqui, na minha gaveta".

Márcia Toito (12/12/2012) - 

http://armadilhasdotempoblogspotcom.blogspot.com.br/2012/12/somente-de-olhos-fechados.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os posts mais visitados