Ei, eu queria agradecer...
Por tantas bênçãos que, de pronto, não consegui identificar.
Apesar do preço vil que você pagou ao arrematar meus bens.
Obrigada por levar o meu bem...
Desculpe a demora da gratidão,
mas as lágrimas que me turvavam a vista
não me permitiram identificar imediatamente
quantas graças me presentearam com a ausência que você me proporcionou.
O tanto que ganhei com a falta que você me impôs.
No início, agarrei-me às pernas que me deixavam
- e lamentei e me arrastei e supliquei -
entregando, como imposto, o meu sexo, o meu corpo e o meu desejo sonolento.
Em vão e inutilmente...
Em vão, mendiguei amor.
Implorei por tudo e tanto que deveria receber gratuita e voluntariamente.
Por migalhas.
Por quase nada.
E, por isso, eu queria realmente agradecer...
Pelo alívio que corroeu, no instante que você levou o meu bem, minhas correntes de escrava em perversa submissão.
E, então, livre e solta, reencontrei o desapego de quem ainda tem toda uma vida pela frente.
Recompus-me em leveza e frescor.
Finalmente, descobri que eu posso muito mais do que você...
Você...
Ah! Você...
Lançada a uma aventura cuja preço aviltante você ainda não pode quantificar.
Mas as escolhas foram feitas por você.
Elas residiam em suas mãos. Apenas em suas mãos.
E, nem mesmo a visão de toda a destruição que você iniciou,
impediu-a de invadir o meu campo, em marcha marcial.
Iniciando batalhas que eu sequer imaginava existir...
Dando cabo a penas que não me permitiam progressão de regime...
Mas os dias se sucederam,
e eu pude vivenciar tantas bênçãos.
Agradeço por me permitir espantar o cotidiano tédio,
obrigando-me a espanar a poeira que me cobria inteira...
E a trilhar novas trilhas.
E a virar novas curvas.
E a descobrir novas estradas.
Reinventar-me, enfim.
Por isso, obrigada.
Você me libertou do ônus da oferta -
apesar da recusa certa e solene.
Presenteou-me com liberdade,
e tantas e tantas novas oportunidades.
Obrigada por levar o meu bem...
Sem ele, estou livre de amarguras -
e do peso imenso de uma âncora fundamente fincada no Cabo das Tormentas.
Obrigada por me libertar de mãos que me sufocavam a ponto de eu não mais perceber minha vida a se esvair tão lenta e continuamente...
Quanto a você, desculpe, mas não há boas notícias...
Eu sei o seu destino de cor.
E, sinto muito que eu possa dizer, de antemão,
que ele é muito menos glorioso do que supõe a sua vã filosofia...
Naiana Carapeba (13/11/2012)